terça-feira, abril 29, 2008

Bato com a porta...


Bato, bato a porta,
Bato com a porta,
Bato na porta,
Não sei...
Mas está fechada.
Bato, bato a maldita porta
Fecho-a como quem a fecha para a vida.

Muitas vezes a abri,
Muitas vezes ficou aberta para ti.
Muitas vezes não entraste
Muitas vezes desconsideraste
Pela tristeza que trago
Pelo frio na espinha
Por aquele cisco no olho
Pelo nó na garganta
É por isso exactamente
É bem por isso
Que bato, bato com a porta.

CA

segunda-feira, abril 28, 2008

Uma personalidade: Herberto Helder

Herberto Hélder (de seu nome completo Herberto Hélder de Oliveira) nasceu no Funchal, no dia 23 de Novembro de 1930. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Começou desde cedo a escrever poesia, colaborando em várias publicações de que se destacam: Graal, Cadernos do Meio-Dia, Pirâmide, Poesia Experimental (1 e 2), Hidra e Nova. É um dos introdutores do movimento surrealista em Portugal nos anos cinquenta, de que mais tarde se viria a afastar.

É o poeta mítico da modernidade portuguesa contemporânea, não só pela intensidade particular da sua obra (quer considerada em conjunto, quer na simples leitura de um único dos seus versos) mas também pelo seu estilo de vida discreto e avesso a todas as manifestações da instituição literária.

Desde O Amor em Visita, 1958, até mais recentemente, em Do Mundo, 1994, passando por Electronicolírica, 1964, e por Última Ciência, 1988, a sua poesia atravessa várias correntes literárias, manifestando uma escrita muito singular e trabalhada, sendo exemplo de um conseguimento sem falhas, sem debilidades nem concessões.

Na ficção, Os Passos em Volta, 1963 (contos), revela o mesmo tipo de elaboração linguística cuidada e encara a problemática da deambulação humana, em demanda ou em dispersão do seu sentido e da sua inteireza.
É considerado um dos mais originais poetas vivos de língua portuguesa. É uma figura que evita a convivência, e em torno de si paira uma atmosfera algo misteriosa uma vez que recusa prémios e se nega a dar entrevistas. Em 1994 foi o vencedor do Prémio Pessoa que recusou.


Curiosidades:

Em 1973 publica o primeiro volume de Poesia Toda, obra que contém toda a sua produção poética. Desde então tem vindo a publicar outras edições e volumes de Poesia Toda mas, ao contrário do que seria suposto, as edições recentes têm vindo a diminuir de tamanho e de poemas. Herberto Helder, tem vindo a renunciar a alguns dos seus poemas (bem fantásticos alguns), proibindo a sua publicação.

quinta-feira, abril 24, 2008

Ticho e Amigos [9]


Hoje é um dia especial, celebra-se o aniversário de uma grande Amiga. Uma amiga com quem tenho uma relação muito especial...
A festa passa por aqui, passem por lá e venham celebrar connosco!

Parabéns Teresinha!

quarta-feira, abril 23, 2008

Dia do livro: Como se faz um livro?

Hoje é dia do livro... Estamos habituados a ver um livro nas prateleiras de uma qualquer livraria, mas... E como se faz um livro? Hoje fica aqui a informação...


Após o autor ter passado para o papel as suas ideias, elas são entregues no gabinete de design. Os fotocompositores, copiam o texto dando-lhe a forma quase final dos livros. É então dada uma ordem de impressão.

As ilustrações são constituída por fotografias ou desenhos, feitos pelo ilustrador. Este utiliza as folhas, provenientes da impressão anterior, nos locais destinados a desenhos, pensa e cria aquelas imagens. O ilustrador faz então esses desenhos, em folhas à parte e envia-os de novo ao gabinete de design, para que possam ser colocados junto do respectivo texto.

Depois de digitalizados, estes desenhos ou imagens poderão ainda ser alterados, melhorados ou pintados, caso ainda estejam sem cor, através de programas de tratamento de imagem.

Acabada esta operação, há nova impressão para que sejam analisados pelos revisores, de modo a que nenhum erro surja na edição do livro. Corrigidos os erros, haverá a impressão em películas transparentes, 4 de cada página do futuro livro: uma película para a cor preta, uma para a cor amarela, outra para a cor azul (cian) e ainda outra para a cor vermelha (magenta). Nas artes gráficas, em geral são utilizamos apenas estas 4 cores, conseguindo fazer todas as restantes cores.

Aqui termina o trabalho do gabinete de design, uma vez que estas películas vão agora ser enviadas para a gráfica.
Na gráfica, as quatro películas que saíram do gabinete de design são entregues a um técnico montador que irá colocá-las num acetato, em planos de várias páginas, utilizando para isso uma mesa de montagem.

Este acetato, contendo as películas, é então colocado sobre uma chapa de zinco tratada com produtos químicos e levada para uma máquina na qual vai ser exposta a uma luz muito intensa. que vai fazer passar tudo o que está na película para esta chapa.


Após esta exposição à luz, a chapa passa para a reveladora. Esta máquina vai revelar, limpar e secar a chapa, ficando assim esta pronta para passar à máquina de impressão que está previamente carregada com papel branco que é puxado, através de um mecanismo de ventosas, ao longo de toda a máquina. A chapa é então colocada num cilindro para que todas as imagens que nele se encontram sejam impressas num outro cilindro, com uma base de borracha (cautchu), para que, a partir daqui, sejam impressas em papel.

Após impressão, esta folha passa para a secção de acabamentos, onde uma máquina a vai dobrar em cadernos, que são conjuntos de várias páginas do livro (podem ser 16, 32, …). Depois dos vários cadernos estarem devidamente dobrados, vão ser cosidos para que possam ser colados à capa, que foi impressa da mesma forma que todas as páginas do livro, só que foi impressa num papel mais duro (cartolina).

Depois de bem colado e devidamente seco, o livro passa pela guilhotina, que o vai cortar para que todas as folhas fiquem do mesmo tamanho, terminando assim todo o ciclo.


Vamos ler?



quinta-feira, abril 17, 2008

A um livro

No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto!...

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!...

(Florbela Espanca)

segunda-feira, abril 14, 2008

meme - 5 livros

A Malu deixou-me o meme de nomear 5 autores / escritores que merecem ser lidos, e um que deve ficar na prateleira. Nada mais indicado para um mês como este que se respira aqui...

Amante de livros que sou, é dificil nomear apenas 5, mas terá que ser, afinal o meme assim o indica:

- Torey Hayden - Com os livros fantasticos que mexem com o nosso interior: "A criança que não ueria falar"; "A riança que nunca chorava" e "Os filhos do afecto";

- José Saramago - Com o seu jeito particular em: "Ensaio sobre a Cegueira"; "As intermitencias da Morte";

- Miguel Sousa Tavares - "Rio das Flores", o único livro que li do autor mas que adorei, entrou directamente no top 5;

- Augusto Cury - Um escritor que nos deixa pensar e o livro "A Saga de um Pensador" faz-nos perguntar quem somos e que valor damos às coisas;

- Eça de Queirós - "As Minas de Salomão", o livro que já reli mais vezes!! (acho que nunca o tinha confessado...).

O livro que, para mim fica na prateleira é "Plano Infinito" de Isabel Allende. Muitos dos amigos que me leem gostam dos livros da Isabel, e admito até possa ter livros muito bons, mas este Plano Infinito.. fica ali guardadinho.

Querem deixar as vossas sugestões?

domingo, abril 13, 2008

Atelier de Escrita Criativa - 2ª aula

Ontem tive a segunda aula do atelier de escrita criativa que me inscrevi. Esta segunda aula tinha como tema: ”Da palavra ao texto”, e tinha o seguinte programa:

Exercícios de Escrita Automática
O Sintagma Nominal
Intersecção de campos semânticos
Fraseologia ( Maximalismo e Minimalismo )

mas na verdade não seguimos rigosamente o que está destinado para cada aula. Começámos por fazer novamente intersecções de campos semânticos, como tinhamos feito a semana passada, listar atributos de algo e depois intersectando-os fazendo sintagmas nominais (N de N). Desta fez os campos semânticos foram Selva e Mobiliario. Depois começámos a fazer exercícios como escrever 20 objectos ao acaso, 10 verbos e depois colocar N V N, vendo o que sai. Claro que sai coisas estranhissimas como: livro ver relógio, mas a verdade é que transporta-nos para mundos de fantasia em que tudo é possivel. Outros exercicios seguiram-se, como por exemplo fazer N V Nmente, até chegarmos à escrita automática.

O exercicio de escrita automática é mais dificil do que parece. Em apenas 1minuto, escrevemos todas as palavras que nos vêm à cabeça, mas tentando que a seguinte nao tenha nada relacionado com a anterior, como por exemplo: bola, livro, panela. Parece que poderá ser facil assim mas o nosso cérebro tem tendencia para seguir uma linha de raciocinio, que se tenta não seguir neste exercicio.

Estas duas primeiras aulas, tentámos criar coisas, mesmo que sem grande lógica, permitindo-nos ir muito para além do que faz sentido, possibilitando exercitar a imaginação, mesmo dizendo que existem livros que têm relógios de pulso. Para a semana iremos já entrar em algo mais lógico e de maior desenvolvimento, mas para já estou a gostar imenso.

quarta-feira, abril 09, 2008

Um livro: A Saga de um Pensador.

Marco Polo é um estudante de Medicina, um espírito livre cheio de sonhos e expectativas. Ao entrar para a faculdade, é confrontado com uma dura realidade: a da insensibilidade e frieza dos seus professores, que não percebem que cada paciente é, mais do que um conjunto de sintomas, um ser humano com uma história complexa e única de perdas e desilusões.

Indignado, o jovem desafia profissionais de renome internacional para provar que os pacientes com perturbações psíquicas precisam de mais que remédios e diálogo – precisam de ser tratados como pessoas, como iguais.
Numa luta constante contra a discriminação, Marco Polo vai provocando uma verdadeira revolução de mentalidades...


"A maioria dessas pessoas vive porque respira. Já não perguntam «quem são», «o que são». Estão entorpecidas pelo sistema. O ser humano actual não ouve o grito da sua maior crise. Cala a sua angústia porque tem medo de se perder num emaranhado de dúvidas sobre o seu próprio ser."

in A Saga de um Pensador, de Agusto Cury.

terça-feira, abril 08, 2008

Uma personalidade: Doris Lessing

Nasceu a 22 de Outubro de 1919 em Kermanshah, na Pérsia (actualmente Irão), filha de pais britânicos, Doris Lessing cresceu na Rodésia (Zimbabué), onde a família se instalou numa quinta quando ela tinha cinco anos.

Frequentou uma escola católica que viria a abandonar aos 14 anos para trabalhar como baby-sitter e a sua infância em África viria a marcar algumas das suas obras.

Foi impiedosa nas críticas aos governos racistas na África do Sul e da Rodésia, o que lhe valeu a proibição de entrada nesse países (na África do Sul entre 1956 e 1995).

Tem três filhos de dois casamentos e depois de dois divórcios instalou-se em Londres, em 1949, com um dos filhos. Encontrou emprego como secretária, mas viria a abandonar essa tarefa depois do sucesso dos seus primeiros livros.

Em 1950 publicou "A erva canta". Em 1962 lançou a obra que lhe daria fama internacional, "The Golden Notebook", e consolidou essa fama com uma série de títulos sobre temática africana como "African stories" (1964).

Comunista na juventude, Doris Lessing, que continuou sempre uma mulher empenhada na defesa dos seus ideais, publicou depois várias obras de ficção científica, a primeira das quais "Shikasta" (1981).

Em 1995, publicou o primeiro volume da sua autobiografia "Under My Skin". Três anos depois publicaria o segundo volume, com o título "Walking in the Shade".

Em 2001, ganhou o prémio Princípe das Astúrias de Letras.

Mais recentemente, criticou o regime ditatorial do presidente Robert Mugabe e foi de novo declarada indesejável no Zimbabué.

Actualmente vive nos arredores de Londres, tem-se dedicado à ficção científica.

Em 2007 foi distinguida com o Prémio Nobel da Literatura a poucos dias de completar 88 anos, caracterizada como "a contadora épica da experiência feminina, que com cepticismo, ardor e uma força visionária perscruta uma civilização dividida", segundo a Academia.



CURIOSIDADE:


Quando a Academia Sueca anunciou o seu nome como Vencedora do Prémio Nobel de Literatura 2007, a escritora encontrava-se em Londres, a fazer compras. Ao chegar a casa, e ao ver os jornalistas à sua porta, perguntou o que ali estavam a filmar, pensando que se tratava da gravação de uma novela, como é habito naquela rua. Foi então que Doris Lessing soube da sua distinção, mostrando-se muito surpreendida.

segunda-feira, abril 07, 2008

Parte de um conto: A historia de Amit Puri...

A vosso pedido, venho por aqui mais um pouco da minha escrita, mas desta vez uma parte de um conto, que nunca o chegou a ser verdadeiramente. Amit Puri é um menino indiano que foi entregue, pelos seus pais, para trabalhar como escravo como forma de apagamento de dividas antigas. Depois de vários anos a viver como escravo, Amit tentou fugir mas... foi apanhado.


Atou-me as mãos e os tornozelos, amarrou-me a uma tamareira no terreno das traseiras. Sabia que não iria ficar por ali o meu castigo, o que fiz era uma ofensa maior, era como se eu não reconhecesse tudo o que têm feito por mim, ou pelo menos era o que pensavam… Sabia o que se seguia, já tinha visto noutras ocasiões, e se alguma duvida tivesse, a fogueira que estava logo ali ao lado da árvore, tratava de me contar. Bem no meio da fogueira estava um ferro, sabia que o meu corpo era o destino. Depois de algumas chicotadas, e do sangue escorrer já pelo meu corpo, chegou a hora. Ele ria para mim, gostava da sensação de poder que tinha naquele momento. Foi até a fogueira, pegou no ferro e aproximou-se de mim. Escolheu um sítio onde eu pudesse ver com clareza a marca, para eu não me esquecer, e marcou-me. Naquele momento desfaleci, o corpo não aguentava com a dor. Atirou-me com água, ele queria-me bem acordado para que eu fosse vendo os próximos passos, e para que ele pudesse ter o prazer de ver o sofrimento no meu olhar. Queria que eu pedisse perdão, suplicasse, mas nunca o fiz… Depois de eu estar suficientemente consciente para sentir a dor, foi até a fogueira e aqueceu a navalha, aquela que usava sempre em tom ameaçador. Soube logo que hoje ele ultrapassaria a ameaça. Quando a lamina estava já em brasa, aproximou-se de mim e cortou-me os pulsos para que sangrasse bastante.

No fim, virou-se para todos os outros que me olhavam, uns cabisbaixos outros com o olhar de quem me tinha avisado para não fugir, e gritou o meu nome: PURI! Ele queria que não se esquecessem do meu nome nem de tudo o que se tinha passado ali, porque aquilo era o que aconteceria a todos os que tentassem fugir.

Atelier de Escrita Criativa - 1ª aula

Como seria de esperar a primeira aula do atelier foi ainda um pouco soft. Este atelier tem uma sequência lógica do simples ao mais complexo, indo da imagem, do caracter ao texto criativo, à ficção.

Depois da normal apresentação, começámos com um pequeno texto sobre a importancia de ler os clássicos. Mas o que são os classicos? Quem define o que são os classicos? Os classicos são, sem duvida, variáveis de pessoa para pessoa. São livros que nos tocam particularmente, livros onde encontramos algo escrito que pensamos que transmite o que queriamos tambem pôr por palavras, e que temos sempre a tendência para os reler. Uma interessante abordagem sobre clássicos...

Depois disto, abordamos a pictografia, tentando dar um significado aos caracteres apresentados. Passámos da imagem à palavra e fomos tentar perceber que, mesmo quando não conhecemos o significado das palavras, tentamos sempre atribuir-lhe um significado, nem que seja porque simplesmente faz-nos lembrar outras palavras. Foi assim apresentado uma lista de palavras perfeitamente desconhecidas para todos, e tentámos dar-lhes significado.

Posteriormente, falámos de campos semânticos. Campos semânticos é tudo a que atribuimos a algo, o que imaginamos sobre algo. Por exemplo, quando falamos em "Biblioteca" o seu campo semântico será: livros, prateleiras, mesas, cadeiras, etc. Fizemos a atribuição de dois campos semânticos e, no final, o exercicio engraçado da conjugação de dois campos semânticos. Imaginem o campo semantico de "biblioteca" e o campo semanticos de "agricultura". Façam uma pequena lista de um e outro... E agora coloquem, quase aleatóriamente, uma palavra de um e uma palavra de outro apenas separados por "de", "da" ou "do". Chegámos a exemplos engraçados como: "enxadas de papel", "chuva de folhas", "colecção de cereais" , "temperatura de livros", "silêncio do campo".

Fizemos, pelo meio, outros exercicios como desenhos, leitura de uns textos de um livro que o professor gosta, etc. Deu asas também a algumas discussões nomeadamente sobre formas de escrita de vários autores, como por exemplo, de José Saramago.

E, de forma resumida foi assim a primeira aula do atelier. Estou certa que do resultado da próxima terei mais coisas para contar... Mas para isso terão que esperar uma semana.

sexta-feira, abril 04, 2008

Atelier de Escrita Criativa - perspectivas da 1ª aula

Ao longo do mês de Abril, irei participar num Atelier de Escrita Criativa. E colocarei aqui o feedback dessas aulas podendo assim, transmitir-vos alguns desses conhecimentos. A primeira aula é amanha e tem como tema: "Da Imagem à Palavra", e tem como programa:

- Interpretação de manchas tipo Rorschach
- Através de imagens (Corto Maltese) criar "argumentos" para as suas gráficas
- A proto-frase
- Exercícios simples

Estou espectante para ver como será. Amanha haverá feedback sobre estes conteudos.

quinta-feira, abril 03, 2008

Um Livro: Ensaio sobre a Cegueira

O Ensaio sobre a Cegueira é um fantástico romance, de José Saramago, que aborda a emergência de uma inédita praga de uma repentina cegueira abatendo uma cidade não identificada, inexplicável e incurável. Tal "cegueira branca" — assim nomeada pois as pessoas infectadas percebem em seus olhos nada mais que uma superfície leitosa — manifesta-se primeiramente em um homem sentado no trânsito e, lentamente, se espalha pelo país. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros seres lutando por seus instintos. À medida que os afectados pela epidemia são colocados em quarentena, em condições desumanas, e os serviços estatais começam a falhar, a trama segue a mulher de um médico, a única pessoa que não é afectada pela doença que cega todos os outros.

O romance mostra-nos o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização e, mais que comentar as facetas básicas da natureza humana à medida que elas emergem numa crise de epidemia, Ensaio sobre a cegueira mostra a profunda humanidade dos que são obrigados a confiar uns nos outros quando os seus sentidos físicos os deixam. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas também das suas vidas espirituais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente.



CURIOSIDADE:

O primeiro apontamento do autor sobre a obra, num pequeno caderno de capa preta que utiliza para quando "vem a inspiração", foi escrito num restaurante, e foi o seguinte:

«Começam a nascer crianças cegas. Ao princípio sem alarme: lamentações, educação especial, asilos. À medida que se compreende que não vão nascer mais crianças de visão normal, o pânico instala-se. Há quem mate os filhos à nascença. Com o passar do tempo, vão morrendo os 'visuais' e a proporção 'favorece' os cegos. Morrendo todos os que ainda tinham vista normal: reacção de estranheza, alguma vezes violenta, morrem algumas crianças. O processo inverte-se até que - talvez- volte ao princípio uma vez mais.»

O Livro veio a ficar muito longe desse apontamento.

quarta-feira, abril 02, 2008

Prémio Literário Fnac/ Teorema

QUER VER O SEU LIVRO EDITADO?


A Fnac faz 10 anos, e uma das iniciativas para celebrar o seu aniversário é o lançamento do Novo Talento. Novo Talento é o destaque que a Fnac dedica a novos artistas desconhecidos que se distinguem pela qualidade do seu trabalho, à margem das correntes, desprendido de estilos e modas.

Ao Prémio Literário FNAC/Teorema 2008 podem concorrer todas as obras inéditas de autores que não possuam qualquer obra de ficção publicada, seja romance ou colectânea de contos. O prémio consiste na publicação da obra vencedora pela Editorial Teorema. Prazo limite para recepção dos trabalhos: dia 31 de Maio de 2008.

Para mais informações ver aqui.

Um poema: Hoje vejo-te assim...

(Não quero confundir o que é verdadeira literatura com os meus textos e poemas, mas hoje, a pedido de várias famílias, fica aqui algo da minha autoria...)


Hoje vejo-te assim...
Brilhante como os raios de sol
que te iluminam a face,
Leve como o vento
que faz agitar os teus cabelos,
Transparente como as lágrimas
que caem dos teus olhos,
Quente como o abraço
que me dás quando preciso,
Suave como as palavras
que me sussurras ao ouvido.
Hoje vejo-te assim...
com os olhos do coração
preenchido por ti!

terça-feira, abril 01, 2008

Um Conto: A Senhora do Retrato...

Os retratos a óleo fascinam-me. E ao mesmo tempo assustam-me. Sempre tive medo que as pessoas saíssem das molduras e começassem a passear pela casa. Para falar verdade, estou convencido que isso aconteceu algumas vezes. Em certas noites, quando eu era pequeno, ouvia passos abafados e tinha a sensação de que a casa ficava subitamente cheia de presenças. Ainda hoje não gosto de atravessar os longos corredores das velhas casas com grandes retratos pendurados nas paredes. Há olhos que nos seguem do alto e nunca se sabe o que de repente pode acontecer.

Havia na casa da tia Hermengarda um quadro deslumbrante. Ficava ao cimo das escadas, à entrada do corredor que dava para os quartos de dormir. Mesmo assim, rodeado de sombras, irradiava uma luz que só podia vir de dentro da dama do retrato. Não sei se da blusa muito branca, se dos olhos, às vezes verdes, às vezes cinzentos. Não sei se do sorriso, às vezes alegre, às vezes triste. Eu parava muitas vezes em frente do retrato. Era talvez o único que não me assustava. Creio até que dele se desprendia uma luz benfazeja, que de certo modo me protegia.

Mas havia um mistério. Ninguém me dizia quem era a senhora do retrato. Arminda, a criada velha, benzia-se quando passava diante do quadro. Às vezes fazia figas e estranhos sinais de esconjuração. A prima Luísa passava sem olhar.

- Essa pergunta não se faz - disse-me um dia em que lhe perguntei quem era aquela senhora.

Percebi que não gostava dela e que era um assunto proibido. Até a minha mãe me ralhou e me pediu para nunca mais fazer tal pergunta. Mas eu não resistia. Por vezes descaía-me e dava comigo a perguntar quem era a senhora dos olhos verdes, quase cinzentos, que me sorria de dentro do retrato.

Com a minha tia-avó, eu tinha uma relação especial. Ela lia-me histórias e poemas inquietantes. Creio que troçava das convenções, talvez das próprias pessoas. Por vezes era difícil saber quando estava a sério ou a brincar. Apesar de já ser muito velha, tinha um sentido agudo do ridículo. Foi a primeira pessoa verdadeiramente subversiva que conheci. Era óbvio que tinha um fraco por mim. Pelo menos era o único membro da família a quem ela tratava como um igual. Dormia no andar de baixo e nunca subia as escadas. Talvez por isso eu nunca lhe tinha perguntado quem era a senhora do retrato.

Um dia, farto já de tanto mistério e ralhete e, sobretudo, das gaifonas da Arminda e do ar empertigado da prima Luísa, não me contive e perguntei-lhe. A minha tia sorriu. Depois levantou-se, pegou no molho de chaves que trazia preso à cintura, abriu uma gaveta da escrevaninha e tirou um álbum muito antigo. Voltou a sentar-se e lentamente começou a mostrar-me as fotografias. Eram quase todas da senhora do retrato e do meu primo Bernardo, que há muito tinha partido para a África do Sul.

Apareciam juntos a cavalo e de bicicleta. E também de fato de banho, na praia da Costa Nova. Havia alguns em que o meu primo estava de smoking e ela de vestido de noite. Via-se também a tia Hermengarda, mais nova, por vezes os meus pais, gente que eu não conhecia. Até que chegámos à senhora do retrato já de branco vestida.

- Natacha - murmurou a minha tia, com uma névoa nos olhos.

E depois de um silêncio:

- Ela chama-se Natália, mas eu gosto mais de Natacha, sempre a tratei assim. É preciso dizer que a tia Hermengarda tinha vivido em Moscovo no início da carreira diplomática do marido e era uma apaixonada dos autores russos, Pushkine, Dostoievski, principalmente Tolstoi, que visitou algumas vezes em Isnaia Poliana. Identificava-se com as personagens de Guerra e Paz. Creio que amava secretamente o príncipe André e gostava de ter sido Natacha. Falava muito da alma russa. Era uma propensão do seu espírito.

- Tu também tens alma russa - dizia-me. E era como se me tivesse armado cavaleiro.

(Conto de Manuel Alegre)

Origem da Literatura Portuguesa...

Não podia começar este mês dedicado à Literatura e Escrita Criativa sem falar na Origem da Literatura Portuguesa...


As primeiras manifestações da literatura portuguesa são em verso, datam do séc. XII e estão reunidas em três colectâneas: o Cancioneiro da Ajuda (séc. XIII), o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (sendo estes cópias de textos mais tardios).

Os primeiros poetas são João Soares de Paiva e Paio Soares de Taveirós, sendo da autoria deste último a célebre «Cantiga da Garvaia».Remetendo, nas suas origens, para a tradição oral, esta produção lírica é difundida por trovadores (poetas) e segréis (instrumentistas) e jograis.

Pensa-se que o lirismo medieval sofre a inspiração latina mas se fortalece em poesia popular, estabelecendo as «harjas» moçárabes uma ligação à poesia românica, muito especialmente às cantigas de amigo.

"Cantiga da Garvaia", Cancioneiro da Ajuda


No mundo nom me sei parelha
mentre me for como me vai,
ca ja moiro por vós e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia.
Mao dia me levantei
que vos entom non vi fea!

(Paio Soares de Taveirós, «Cantiga da Garvaia» - (1.ª estrofe))


Quanto à ficção, se pusermos de lado os textos em prosa de feição historiográfica, nomeadamente os que se constroem em torno da figura de D. Afonso Henriques (Crónica Geral de Espanha de 1344 e Crónicas Breves de Santa Cruz de Coimbra, IV), há traduções de obras de matéria da Bretanha (um ciclo da Demanda do Santo Graal, e outro de José de Arimateia) e textos de cariz religioso e edificante (Boosco Deleytoso e Horto do Esposo, sécs. XIV e XV), além de prosa doutrinal, que encontra na família de Avis, no séc. XV, expoentes notáveis: O Livro da Montaria de D. João I, sobre a arte e os prazeres da caça; A Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela e Leal Conselheiro, sobre a arte de montar e sobre a ética e a prática da vida quotidiana, respectivamente, de D. Duarte; e Virtuosa Benfeitoria, adaptação de Séneca sobre os benefícios dos nobres, do Infante D. Pedro).

Mas é o Amadis de Gaula que marca com relevância a ficção da época. Editado em Saragoça em 1508, o texto é, ao que parece, subsidiário de um texto português do séc. XV. Novela de cavalaria, com entrecho amoroso e guerreiro que obedece ao melhor das convenções do género, salienta-se por um esboçar de realismo em pormenores da acção e da incipiente psicologia e, sobretudo, pela atmosfera de sensualidade que une o par amoroso.

Ainda hoje se mantém hesitante a atribuição da sua autoria, quer para o lado português, quer para o lado espanhol, sendo certo que se trata de uma obra-prima da ficção peninsular.

(Texto retirado daqui)