quarta-feira, outubro 31, 2007

Sem vida...


Está a chegar a noite, e o frio está a tornar-se dificil de aguentar. Cada noite é uma luta pela sobrevivência, uma verdadeira luta que sei que só a custo ultrapassarei. Deambulo pela rua, e vou até ao restaurante da rua habitual: o caixote do lixo à porta do supermercado. Sei que a concorrência é grande, mas espero conseguir um pouco de pão, e umas frutas podres para o jantar. Com um pouco de sorte, ainda consigo arranjar mais qualquer coisa para amanhã. Chego e vejo os abutres de volta do caixote, hoje não me safo... Depois de um fraco almoço, ficarei sem jantar... Pode ser que o dia amanha corra melhor...

Sigo pela rua... Olho para o lado, e vejo algo que os meus olhos não querem acreditar: uma caixa de cartão de uma televisão enorme!! Que sorte... Pelo que vejo é resistente, e poderei utilizar como abrigo nos próximos dias e se não chover muito, poderá durar até algumas semanas, afinal presentes destes não encontro todos os dias por aí... Pego na caixa e levo-a até ao beco onde fica o meu lugar habitual... Esqueço-me da fome, o coração bate de contente...

Ao chegar lá, ajeito cuidadosamente a caixa, rasgo ali, junto aqui com a velha fita cola e fica pronta. Deito-me... A barriga volta a protestar e o corpo treme um pouco de frio... Olho para o céu, o único e verdadeiro tecto que tenho... Fecho os olhos, tento esquecer a fome, o frio e até os mil pensamentos que não me saem da cabeça... Adormeço com a certeza que, se voltar a abrir os olhos amanha, voltarei a ter novos desafios, uma nova aventura...

segunda-feira, outubro 29, 2007

Louco...


"Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim: Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas - as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em minhas sete vidas - e corri sem máscaras pelas ruas cheias de gente, gritando: "Ladrões, ladrões, malditos ladrões!"

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim. E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: "É um louco!".

Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua. Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei minhas máscaras. E, como num transe, gritei: "Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!"

Assim me tornei louco. E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós. "

Gibran

sábado, outubro 27, 2007

1º Aniversário



"Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substiui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso." (Charlie Chaplin)

Faz hoje um ano que este nosso cantinho nasceu. Cada pessoa que por aqui passou deixou um pouco de si e espero que tenha levado um pouco de mim também. Foram 109 pessoas... 109 pessoas que encheram o meu coração de amizade.

Albertino; Alealb; Alexandre Monteiro; Amordemadrugada; Ana; Ana Sofia; Anawîn; Anita; Armanda; Arturibeiro; Bia; Bion; Bono_poetry; Bublicious; Cadinho roço; Caminhante; Carla Su; Carracinha Linda; Cat; Catarino; Catequista; CD; Conceição Bernardino; Cristina; David Santos; Delfim Peixoto; De-propósito; Efvilha; Elisheba; Elsa Nyny; Emília Almeida; Entre linhas; Erute; Fa –; Farinho; Felipe Fanuel; Ferípula; Figlo; Flor; Fontez ; Gk; Haras; Inês; Inspiração; Jefferson p.; João Araújo; João Filipe Ferreira; João Oliveira; Joaquim; José Gonçalves; José Manuel Dias; Ju; Kalinka; keimadela; Kelly; Lâmpada de mervelha; Lia; Lindona; Lobo; Lu; lu@r; Luita; Luna; Lusófona; Madga / Susana; Márcia; Margadivo; Mari crrrrruuuu; Maria; Marlene Maravilha; Marta; Mina; Miosótis; Miudaaa; Morgaine; Moura; Né; O alquimista; Ofélia Ribeiro; Ouriço; Patrícia; Paulo Costa; Paulo Sempre; PCL; Pepe luigi; Perola&granito; Poetaeusou; Porque te amo; Professora; Profundamente; R. Filgueira; Ritinha; S.; Sailing; Sandra Dantas; Sandro; Serenidade; Sílvia; Sofia; Sonhadora; Sónia Farmacêutica; Tarina; Teresa Calcao; Tiago Almeida; Tozé Franco; Varão Van Blogh; Wolfhunter; Zetrolha.

Este dia é vosso... Obrigada pela amizade, pelo carinho, e por tudo o que partilhámos por aqui.

Beijo terno,
Cátia

segunda-feira, outubro 22, 2007

Ouço-te...

Olho para o céu, fecho os olhos e sinto o sol bater-me na face... Sabe-me bem sentir este calor. Abro os olhos lentamente e olho em redor... Vejo aquele terreno que para mim é quase infinito, tão grande que raramente chego ao final... Vejo o dourado a sair do chão... Vejo a figueira logo ali ao lado, aquela que costumo subir para te roubar os figos. Sei que não gostas, não por causa dos figos, mas porque tens medo que me magoe. Durante uns tempos colocaste-me ali um baloiço, mas que por um motivo que já não me lembro, retiraste-o de novo. Mas não me importo porque no seu lugar construí uma cabana... Sim, aquela cabana onde me refugiava do sol, onde vivia mil aventuras que te contava depois. Mas hoje não me dirijo para lá...

Ouço as vacas do terreno ao lado, ouço o teu tractor lá ao fundo. Bem me parecia que estarias por ali, penso enquanto desenho um sorriso. Corro terreno abaixo com cuidado para não cair... Não te vejo, afinal estás mais abaixo que imaginei... Passo o canavial, do lado direito o tanque onde brinco enquanto ela lava a roupa... Depois os morangos e o limoeiro... Do lado esquerdo o poço, aquele de onde atiro e retiro canas... ups, não te devia dizer, pois tens medo que caia lá dentro. Não te preocupes, sabes que sou cuidadosa...

Mas hoje não me distraio com nada, nem mesmo com os morangos que gosto de ver crescer... Sigo o som, percorro as laranjeiras mas não te vejo… Deves estar no fundo do terreno a cuidar das pereiras... Começo a ficar cansada... Sabes que o sol aperta e as minhas pernas pequenas estão a ficar cansadas de andar sobre os torrões... Mas vim com o propósito de passar a tarde contigo e por isso sigo o caminho na tua direcção...

O som é nítido, sei estás aí... Desço até ao fim, chego ao fundo do terreno mas não te vejo. Estarás por trás de alguma árvore? São tão grandes e carregadas de fruto que me tapam a visão de ti. Chamo-te... mas não me respondes. É o som do tractor que não permite que me ouças... Grito mais uma e outra vez... Percorro novamente o terreno com o olhar… Será que vens pelo caminho de baixo?!! Debruço-me sobre o muro... Olho para um lado e para outro. Não te vejo mas chamo por ti... Sabes que nunca me engano, conheço o som do teu tractor desde sempre, e reconheço-o a kms de distância... Onde estás??!!

Olho para o caminho que percorri... Não, não quero subir tudo sozinha, não quero voltar para casa a pé... Estou cansada, quero subir contigo... Onde estás??!! Sento-me sobre os torrões e enrolo-me sobre mim... Neste momento aquele desconforto já não me importa... Com a cara entre os joelhos, as lágrimas caem... Não sei se caem de cansaço, se por não me responderes...

Sei que não estás aqui, mas ainda és tu que me fazes caminhar...

És e serás o meu ídolo, o meu modelo de Homem... Obrigada pelo carinho, atenção e pelo tanto que me ensinaste… Adoro-te avô!

Para J.L.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Ir mais além...

(Foto de Teresa Calcao)

“Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros de altura, baixou as suas patas com membranas, ergueu o bico e tentou a todo o custo, com a força das asas aguentar uma contorção difícil e dolorosa. Isso queria dizer que deveria voar devagar, e então abrandou até sentir o vento passar pelo seu corpo como um sussurro, até sentir o oceano por debaixo de si. Franziu os olhos, em intensa concentração, susteve a respiração, e forçou um… só mais… um... centímetros… de… curva. Então as penas ruflaram, ele desequilibrou-se e caiu.

Como sabem, as gaivotas nunca hesitam, nunca se desequilibram. Desequilibrar-se no ar é para elas uma desgraça, e uma desonra. Mas Fernão Capelo Gaivota não era um pássaro vulgar. Sem se atrapalhar, abriu de novo as asas naquela difícil curva, abrandou e desequilibrou-se de novo. A maior parte das gaivotas não se querem incomodar a aprender mais que os rudimentos de voo, como ir da costa à comida e voltar. Para a maior parte das gaivotas, o que importa não é saber voar, mas comer. Para esta gaivota, no entanto, o importante não era comer, mas voar. Mais que tudo, Fernão Capelo Gaivota, adorava voar. (...)

Passados três meses, Fernão já tinha seis estudantes, todos banidos, mas, no entanto, curiosos em relação àquela nova ideia de voar pelo prazer de voar. Contudo, era-lhes mais fácil executar difíceis posições do que compreender a razão que havia por detrás.

- Cada um de nós é na realidade uma ideia da Grande Gaivota, uma ideia ilimitada da liberdade – costumava dizer-lhes Fernão, à noite, na praia – E o voo de precisão é um passo em direcção à nossa verdadeira natureza. Daí a razão de todo este treino da alta velocidade, baixa velocidade e acrobacias aéreas…

E os seus alunos adormeciam exaustos. Gostavam dos treinos porque eram rápidos e excitantes e porque lhes saciavam a fome de aprender que aumentava em cada lição. Mas nenhum deles conseguia acreditar que o voo de ideias pudesse ser tão real como o voo de vento e penas.

- Todo o vosso corpo, desde a ponta de uma asa, até a ponta de outra asa – costumava dizer Fernão - não é mais do que o vosso próprio pensamento, numa forma que podem ver. Quebrem as correntes do pensamento e conseguirão quebrar as correntes do corpo… Mas, por muito que falasse, soava como uma agradável ficção e eles precisavam dormir."

(In Fernão Capelo Gaivota – Richard Bach )

segunda-feira, outubro 15, 2007

Quem toca piano?


Certo dia caminhava pela praia... Aquele dia parecia-me diferente de todos os outros, apesar de, à primeira vista, ser igual a todos os dias anteriores. Caminhava tranquilamente à borda de água quando o meu olhar desviou-se da areia. Os meus olhos não queriam acreditar no que viam. Aproximei-me devagar mas quanto mais me aproximava, maior era o meu espanto. Sim, era... era um piano!!

Precipitei-me para ele. Ainda não queria acreditar no que os meus olhos me mostravam. A magia daquele sitio, daquele momento, puxou-me para as teclas. Toco uma e outra vez. Aquele som interrompe toda aquela tranquilidade que reinava à minha volta. O som pareceu-me desafinado e não encaixava no ambiente. Mas a magia do momento não permitia que me afastasse. Limpei as teclas, apertei as cordas... e construi um pequeno banco na areia. Sento-me e olho para aquele piano...

Sei que não está afinado, sei que os sons não sairão alinhados com a orquestra à minha volta, mas mesmo assim anseio pelo momento em que voltarei a interromper a serenidade. Quero ser maestro daquele piano, aquele que já considero meu...

Respiro fundo, fecho o olhos, coloco as mãos sobre as teclas e começo a tocar... tropeço no bater das ondas, no som das gaivotas e dos barcos lá ao longe, mas não paro... Aquele é o meu momento... o meu momento com o meu piano, e aquela a melodia que nos sai do coração!

quarta-feira, outubro 10, 2007

Entre o hoje e o amanhã...

Existe uma grande diferença entre o hoje e o amanhã. Hoje sei onde estou, como estou e o que sonho. Amanhã não sei se estarei aqui, não sei como estarei, não sei o que sentirei e por quem. Hoje sei o que penso, amanhã espero pensar igual... ou diferente, se significar crescimento. Hoje sonho, sonho por momentos melhores, sonho por um futuro... Amanhã não sei se continuarei assim, não sei se me desiludirei e deixarei de sonhar, ou se os sonhos estarão já realizados...

Hoje caminho pela estrada da vida. Muitos que hoje me acompanham, amanhã já não me acompanharão... Sei que, o que me hoje tomo por certo e concreto, amanhã dissipar-se-á... Mas hoje quero iludir-me e pensar que as amizades são para sempre, acreditar que as coisas não mudam e que terei sempre aquele conforto. Amanhã olharei para trás e verei que não é bem assim, entre aquela curva, aquele cruzamento, algumas pessoas foram ficando para trás ou tomando outras opções...

Sei que existem vários tipos de amizades, aquelas que estão comigo por "uma razão", por um motivo que se calhar nem entendo qual... Talvez para me ajudar numa necessidade ou para eu os ajudar, não sei... Mas que após terminado, afastar-se-ão naturalmente... Sei que existem amigos que estarão comigo por "um tempo", e que serão os meus melhores amigos durante este periodo. Contarei com eles e eles comigo... Poderei pensar que serão para sempre, mas com o caminhar haverão opções, motivos (ou talvez não existam) que nos afastarão... Ficará o carinho, a lembrança, mas a necessidade da presença vai ficando cada vez mais ténue... até que amanhã não sentiremos já a falta... lembraremos apenas com carinho quando alguma situação faça saltar à memoria aquela pessoa, ou um momento partilhado...

Mas hoje penso que existem também amizades "para sempre". Que mesmo por entre as curvas e cruzamentos, que nas subidas e nas descidas, alguns conseguirão seguir o meu passo e continuarão a caminhar comigo... Hoje quero crer que alguns dos que me acompanham, acompanharão no futuro também... Hoje penso assim... Mas como disse, existe uma grande diferença entre o hoje e o amanhã... Hoje penso assim... amanhã gostaria de pensar igual.

sábado, outubro 06, 2007

Uma carta...

(foto de Teresa Calcao)

"Sinto a tua falta, meu amor, como sempre, mas hoje é particularmente difícil porque o oceano tem estado a cantar para mim, e a canção é a da nossa vida juntos. Quase consigo sentir-te ao meu lado enquanto escrevo esta carta, e consigo cheirar o aroma de flores silvestres que me faz sempre lembrar de ti. Mas neste momento, essas coisas não me dão qualquer prazer (...)
À noite quando estou sozinho, chamo por ti, e sempre que a minha dor parece ser maior, encontras constantemente maneira de voltar para mim. Ontem à noite, nos meus sonhos, vi-te no pontão (...). O vento soprava através do teu cabelo e os teus olhos retinham a luz pálida do Sol que se desvanecia. Fico espantado quando te vejo encostada ao parapeito. Tu és bela, penso, enquanto te vejo, uma visão que nunca consigo encontrar em mais ninguém. Começo a andar lentamente na tua direcção e quando, finalmente, te voltas para mim, reparo que os outros têm estado a observar-te também. "Conhece-la?" perguntavam-me em sussurros invejosos, e enquanto sorris para mim, respondo simplesmente com a verdade. "Melhor do que o meu próprio coração."
Paro quando chego perto de ti e envolvo-te nos meus braços. Anseio por esse momento mais do que qualquer outro. É a razão da minha vida, e quando tu retribuis o meu abraço, eu entrego-me a esse momento em paz mais uma vez.
Levanto a mão e toco suavemente na tua face e tu inclinas a cabeça e fechas os olhos. (...) Interrogo-me durante um momento se vais afastar-te, mas claro que não o fazes. Nunca o fizeste, e é em alturas como esta que eu sei qual é o meu objectivo na vida.
Estou aqui para te amar, para te segurar nos meus braços, para te proteger. Estou aqui para aprender contigo e para receber o teu amor em troca. Estou aqui porque não existe outro sítio onde possa estar.
Mas depois, como sempre, a neblina começa a formar-se enquanto permanecemos juntos um do outro. É um nevoeiro distante que nasce do horizonte, e descubro que começo a ficar com medo à medida que ele se aproxima. Ele insinua-se lentamente, envolvendo o mundo à nossa volta, cercando-nos como que para evitar que fujamos. Como uma nuvem rolante, cobre tudo, fechando, até mais nada restar senão nós os dois.
Sinto a minha garganta a começar a fechar e os meus olhos a encherem-se de lágrimas porque sei que são horas de partires. O olhar que me lanças naquele momento persegue-me. Sinto a tua tristeza e a minha própria solidão, e a dor no meu coração, que permanecera silenciosa só por um pequeno intervalo de tempo, torna-se mais forte quando tu me soltas. E quando estendes os braços e dás uns passos para trás, desaparecendo no nevoeiro porque ele é o teu lugar e não o meu. Anseio por ir contigo, mas a tua única resposta é abanares a cabeça porque ambos sabemos que é impossível.
E eu assisto com o coração a partir-se enquanto desapareces lentamente. Dou comigo a esforçar-me por lembrar tudo acerca daquele momento, tudo acerca de ti. Mas depressa, sempre demasiado depressa, a tua imagem desaparece e o nevoeiro recua para o seu lugar longínquo e eu fico sozinho no pontão e não me importo com o que os outros pensam quando baixo a cabeça e choro e choro e choro."


(As Palavras que nunca te direi)