Eu hoje (não) vi..

Hoje vejo uma mulher… Uma mulher ou uma menina, não tenho a certeza… Mas sei que a vejo ao contrário de tantos! Vejo-a caminhar pela rua, é uma mulher linda que passa mas que tenta passar despercebida…

Mas eu vejo-a e sigo-a… Caminho ao seu lado discretamente. O roxo é sinal, é sintoma, é causa e consequência. A dor é apenas um reflexo... não tanto físico mas mais psicológico... a dor da alma é a mais profunda e vincada e essa é provável que não passe nunca.

Vejo todos aqueles sonhos que foram facilmente destruídos pela brutalidade de alguém... Alguém que ela ama, alguém que pensa que mudará um dia… “mudará hoje ou amanha, mas mudará!” Hoje ele prometeu que seria a última vez, veio, chorou, implorou... e prometeu que iria ser diferente. Mas nunca é... Amanha ele voltará igual, voltará igual a hoje ou a tantos outros dias.

Fica a esperança mas fica o medo também… A fuga desta vida e a procura de uma vida melhor é a melhor solução, apesar de que na maioria das vezes o plano de fuga nunca deixa de o ser... Um plano eternamente adiado à espera da tal mudança ou da coragem, aquela que tarda em chegar. Muitas vezes a única fuga em que ela pensa é a morte… a morte dele em troca da morte dela.

Olho-a e vejo-a… Parece-me perdida. Perdida num amor que não o é, perdida na vida. Gostava de lhe dizer que a vida pode ser muito mais para além de tudo aquilo, mas não o faço… algo me impede. O que é?? Medo? Vergonha? Falta de coragem? Insegurança? Não sei…

Ela lá vai caminhando mas o tal sentimento impede-me de continuar. Vejo-a ir, vejo-a afastar-se de mim. Vai passando por entre a multidão e ninguém repara… Será que ninguém vê?! Será que ninguém repara que por debaixo daqueles óculos está o roxo, que por baixo da maquilhagem está a face inchada, está a dor?!

Ela lá vai… já nem a consigo distinguir entre a multidão, misturou-se tal como desejava. E eu fiquei ali parada… a pensar porque fiquei, porque não caminhei com ela... Continuo a não encontrar resposta…

Amanha quando comprar o jornal e vir em letras garrafais “marido mata mulher com maus-tratos!” o meu coração irá tremer. E quando olhar para a foto e vir aquele rosto familiar entrarei em choque por nada ter feito… Talvez nunca me perdoe, ou talvez siga o meu dia e passado algumas horas já me tenha esquecido daquele rosto! Muitos comentarão o sucedido e as suas causas. Falarão e continuarão a falar… Mas perguntar-me-ei então onde estavam todos eles antes? Quando ela caminhava pela rua?

Depois é sempre tarde demais…

Se presenciar, suspeitar, ou for vitima de alguma situação de desrespeito pelos direitos humanos, não hesite, contacte o gabinete de apoio à vitima mais perto de si, ou ligue o número único 707 20 00 77