sexta-feira, junho 13, 2008

13 de Junho...

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado.
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe -- todos eles príncipes -- na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos -- mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

(Alvaro de Campos,Fernando Pessoa)


Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa, capital portuguesa, Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar esquerdo do nº 4 do Largo de São Carlos, em frente da ópera de Lisboa... Lembremo-nos de quem foi brilhante...

10 comentários:

  1. Ao entardecer, debruçado pela janela,

    E sabendo de soslaio que há campos em frente,

    Leio até me arderem os olhos

    O livro de Cesário Verde.

    Que pena que tenho dele! Ela era um camponês

    Que andava preso em liberdade pela cidade.

    mas o modo como olhava para as casas,

    E o modo como reparava nas ruas,

    E a maneira como dava pelas cousas,

    É o de quem olha para árvores,

    E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando

    E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

    Por isso ele tinha aquela grande tristeza

    Que ele nunca disse bem que tinha,

    Mas andava na cidade como quem anda no campo

    E triste como esmagar flores em livros

    E pôr plantas em jarros...
    Alberto Caeiro

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  2. Que estranha forma de pensar e escrever esta, do poeta. Mas...
    O mau também sou eu!
    Bjo
    Bom fim de semana

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  3. "Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo..." O nosso lindo Pessoa só escrev coisas bonitas...
    Eu gosto de o ler... nao todo o Pessoa, mas á passagens marailhosas!

    Bjs amiga

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  4. Eu adoro Fernando Pessoa (tenho levado com ele estes dias, mas até nem me chateia muito). :)

    No meio da sua complexidade, é fantástico... Nem todos têm a capacidade de o perceber (in)felizmente!

    Beijinho muito grande maninha

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  5. Bonito texto...
    Adoro ler os textos de Pessoa, tenha ele o disfarce que tiver.
    Boa semana
    beijos

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  6. Gosto tanto de Fernando Pessoa!
    E Álvaro Campos é o meu favorito!

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  7. Bem escolhida esta passagem! Mesmo a calhar aos nossos tempos! (toda a gente é perfeita, só os outros é que têm defeitos...)

    Beijinhos, amiga do meu coração.
    Boa semanita!

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  8. Grande Poeta sem dúvida :)

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  9. Foi e é maior do que alguma vez seremos capazes de compreender.

    Obrigado pela passagem no meu blog.

    Fica bem,
    Miguel

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  10. Adoro Fernando Pessoa e este é talvez o poema que mais me diz... talvez por sentir o que ele descreve como ninguém.
    Talvez porque tantas vezes sou mesquinha e vil e ridicula...

    Beijo enorme!

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