"Era uma vez um anão que teve três filhos: O Becas, o Bicas e o Bocas. Este último era tão pequeno, tão pequeno que casou e foi viver dentro de um sapato nº 32."
Que era de madeira azul-claro, quase um tamanquinho fechado. Junto ao decote, antes da ponta, tinha um raminho de margaridas amarelinhas. Este tamanquinho era muito especial. Nos dias de primavera, aqueles, quando as flores vêem espreitar todas gaiteiras, e, põem-se a dançar tremelicadas, nesses dias, Girassol, o tamanquinho-sapato, deitava as suas solas de madeira na terra húmida, e zás por ali ficava bem enterradinho.
Abria a porta de trás e deixava que Bocas, o anãozinho castanho se sentasse nas escadas. Bocas era especial.
Bocas o Feliz,
Era um anãozinho cor de chocolate dourado, cabelos de caracóis apertados e uns olhos grandes, escuros como se fossem as ameixas da sua carita.
Estava sentado na borda do seu tamanquinho-sapato baloiçando as suas pernitas que o solzinho deixava mais brilhantes ao lado da sua Cocas.
Cocas a sua mulherzinha-boneca
Um derriço de chocolate brilhante, muito, muito e com um chapeuzinho de palha apertado numa fita vermelha de bolinhas brancas que pareciam cogumelos.
Os dois estavam felizes e de mãozinhas dadas. Cantarolavam: “fui ao jardim da celeste giro-flé-giro-flá”
E batiam as mãozinhas de chocolate doirado.
De repente, muito de repente, uma nuvenzita zangada tapou o sorriso do sol. Fez-se frio. E começaram a cair lágrimas. Primeiro miudinhas, quase salpicos, depois, pesadas, grossas. Bocas e Cocas começaram a tremer, arregalaram os olhos redondos de ameixas e agarraram-se um ao outro. Estavam aflitos.
O tamanquinho-sapato-casinha estava a deslizar. Entraram e puseram-se à janela, os dois muito abraçadinhos.
A nuvem zangada achou-se divertida e a correr foi buscar as primas. Endiabradas como ela espirraram toda a água que as enchia cá para baixo. Vejam só no quintalzinho o tamanquinho-sapato já andava aos ziguezagues na poça que formara. Um lago barrento, que crescia, crescia, e, inundava a casinha do Bocas e da Cocas.
Tão aflitos estavam os coitadinhos, tremiam que nem varas verdes.
A sua casinha alagada!
O seu tamanquinho-sapato à deriva num lago barrento!
Bocas arregaça as calcinhas amarelas, calça as botas de borracha verde, pega na vassoura e numa na corda, e, diz para a sua Cocas que o olhava com os olhos muito esbugalhados
-Vá lá ata esta corda à minha cintura, e prende-a na argola da parede, depressa.
-Oh Bocas o que vais fazer?- Não me deixes aqui, choramingou a Cocas.
Abre a porta, a água chega-lhe quase até aos joelhos. Mal consegue andar. Porém corajoso lá vai ele de vassoura na mão.
Do lado esquerdo do tamanquinho-sapato as ondas, que as lágrimas pesadas fazem, estão a deslocar a sua casinha-sapato. Pega no cabo da vassoura, procura remar para a margem afastando o tamanquinho da poça. Tanta força. Tanta. O tamanquinho continua a rodopiar cada vez com mais força. O pobre do Bocas está ensopado até aos ossos
Uma desolação.
Os seus caracóis até lhe tapam os olhos-ameixa.
Não se importa e continua a empurrar, a empurrar.
E chuva a cair, cada vez com mais força, cada vez mais zangada.
E a casinha a girar, a girar.
Uma aflição!
A Cocas a gritar, a chorar.
Um pesadelo!
Olha desolado à sua volta.
Atira com o cabo da vassoura e core para junto da sua Cocas.
Agarra-se a ela e muito apertadinhos, esperam pelo fim.
De repente, o tamanquinho-sapato pára. Deixa de soluçar. Tudo se acalma em redor. Esperam mais um tempinho, os dois muito juntinhos, ouvindo o respirar um do outro. Depois, devagar, devagarinho, Bocas separa-se, e, pé ante pé vai até à janelinha, levanta a cortininha de margaridas deixa um olho-ameixa a ver tudo o que vai lá por fora.
Pasme-se!
Está tudo sereno.
Dá uma corrida e abre a porta. Vem cá fora.
O lago barrento estava sereno, as flores sacudiam os cabelos, a terra respirava fundo e as folhas verdes estremeciam lavadas.
O seu tamanquinho-sapato embora molhado estava mais tranquilo. Porém, o azul desbotara deixando a madeira nua. E cheia de lama. Bah, a sua casinha estava feia. Não gostava mais dela. E o medo que tivera.
Que perigo!
Bah, não ía viver mais num tamanquinho-sapato que lhe pregava sustos destes.
Não, ía não! Tinha a certeza!
Mas para onde ir?
Ah, já sabe. E sorri. Bate as mãozinhas felizes. Entra na casinha molhada do tamanquinho-sapato. Chama a sua Cocas e diz:
-Anda, anda, vamos embora.
-Para onde?
-Vamos procurar o canteiro mais lindo do mundo. Lá vou fazer a nossa casinha de pedra.
…………………………….
Cocas e Bocas estão sentados no banco da varanda. Ela tem outro chapeuzinho, uma túlipa vermelha com um laçarote cor-de-rosa, ele, umas calcinhas verdes da cor da Primavera. No chão um bombom de chocolate de caracóis apertados e olhos de ameixa brinca com um tamanquinho de quatro rodas.
-Brrrrr.Piiiii! -Deixa passar o giassol, papá! Tá atasado, tá brrrrrrrrrr!
E na janela de margaridas amarelinhas o sol pisca o olho ao dia sorrindo.
Mateso do aArtmus
Bolas! fez-me lembrar o Diluvio e a Arca de Noé!
ResponderEliminarGostei.
Beijos
Mateso,
ResponderEliminarDe facto lá veio o diluvio mas lá conseguiram ultrapassá-lo, e foram viver para o seu jardim.
Tenho que lhe dar os parabens pela estória tão rica em descrições, consegue-se ver e imaginar toda a aventura. Fiquei impressionada...
Obrigada por vir até aqui à minha casa e não resistir ao desafio.
Beijinho grande
Mas que fantástico conto, um dilúvio que terminou bem:)
ResponderEliminarSerenos sorrisos
Muito lindo este conto :D
ResponderEliminarUma delícia :)
Parabéns Mateso!
isto está a dar frutos manocas :P
Beijinhosss
Uma aventura muito querida, leve e ainda com um final poético.
ResponderEliminarMuito bonito, parabéns.
Bjs.
A Mateso e a sua prodigiosa imaginação!! Gostei imenso. Como sempre. Beijos.
ResponderEliminarSensibilizada com os vossos comentários. e contente por terem gostado.
ResponderEliminarEu diverti-me a fazê-lo.
Beijo.
Mas que história mais amorosa eu cheguei a zangar-me com a nuvem!Linda!
ResponderEliminarQue mimosa história! Parabéns,
ResponderEliminarIsabel
Olá.
ResponderEliminarHá nuvens que nos fazem mudar para melhor...
Um abraço