Todos na rua conheciam a D. Esmeralda, que apesar de saberem que não era esse o seu verdadeiro nome, todos a tratavam assim. Era um doce de senhora para todos, e por isso muito respeitada também. D. Esmeralda enviuvou muito cedo, e criou, sozinha, filhos muito jovens ainda e três filhos que veio a adoptar depois. Apesar da idade, a D. Esmeralda era uma pessoa linda, com os seus cabelos cinzentos sempre bem penteados, com as suas leves rugas que lhe desenhavam a cara, e com aqueles olhos verdes cheios de ternura.
No bairro onde morava, a porta de sua casa sempre foi uma porta aberta para todos. Todos os dias, a D. Esmeralda colocava sete pratos na mesa, cinco para os filhos, um para si, e um ficava de sobra, porque haveria sempre alguém com fome para alimentar. A comida nem sempre era muita, mas com boa vontade, aquela que sempre teve, juntava um pouco mais de água, mais uma batata ou uma cebola, e lá havia um pouco mais de sopa.
Com algum esforço terminou o curso e tornou-se enfermeira no hospital da zona. O seu trabalho sempre foi conhecido e reconhecido por todos, mas o que lhe era mesmo reconhecida era a bondade com que encarava a vida. Muitas eram as vezes que entravam pessoas doentes no hospital, mas que ela reconhecia no olhar que apenas precisavam de um agasalho e de um prato de sopa quente, e meia hora depois, a maleita estava curada, pelo menos até à próxima noite fria.
Numa noite de frio intenso, a meados de Dezembro, entra José Afonso pela porta das urgências, com o seu pequeno filho Gonçalo nos braços, depois de ter sido atropelado por um carro que se pôs em fuga. José Afonso era um dos homens mais ricos da cidade, tinha várias empresas na região e era homem de muitos contactos internacionais. Era um homem respeitado, admirado, mas também temido, tal o seu poder. A sua entrada ali era de todo inesperada, mas não havia tempo para surpresas, o pequeno Gonçalo precisava de ajuda e atenção urgente.
Rapidamente uma equipa de médicos e enfermeiros correu em seu socorro, levando de imediato o pequeno rapaz para a sala de observações. Alguns exames, radiografias, TAC’s e foi levado para o bloco operatório. Gonçalo corria risco de vida e ia ser sujeito a uma longa operação que iria entrar pela noite fora, e que iria ser certamente a noite mais longa de José Afonso.
A D. Esmeralda, que estava de serviço nessa noite, e apesar dos muitos utentes que atendia, tinha sempre uma atenção para os que a rodeavam, e para os que mais precisavam. Naquela noite, tinha ali na sala de espera aquele homem imponente e rico, em sofrimento. Naquela noite, era ele que precisava de um pouco de ajuda. Apercebendo-se da sua aflição, foi informar-se sobre o estado do menino e foi até a sala. Sentou-se na cadeira ao lado de José Afonso, que anestesiado pela dor e preocupação, não se apercebeu da sua chegada. Ela colocou a sua mão sobre o sobre o ombro e sorrindo, tentando passar alguma serenidade, disse-lhe que a operação ainda iria demorar, mas que iria correr tudo bem. Ele olhou-a com surpresa, mas depois encontrou ali, naquele gesto, naquele, naqueles olhos verdes e tão verdadeiros, o carinho, a paz e a confiança que precisava. Ela ficou ali em silêncio mais 5 minutos junto dele, depois teve que voltar ao serviço. As visitas aquela sala foram frequentes durante aquelas horas.
As horas foram passando e no inicio do dia, houve noticias. A operação tinha corrido bem, mas as próximas 48 horas eram fundamentais para o desenvolvimento do estado de saúde da criança. D. Esmeralda ouvia atenta estas palavras que o Senhor Doutor transmitia, do outro lado da sala a José Afonso. Depois do médico ter voltado para dentro, José Afonso virou-se e encontrou, lá ao fundo, aqueles olhos que o observavam como a mesma serenidade e verdade do início da noite. Ela sorriu-lhe e desejou-lhe um bom dia, estava de saída para casa. Ele ainda tentou dizer-lhe alguma coisa, mas antes que o conseguisse, já a senhora tinha saído pela porta.
O dia foi passando e não havia novidades do Gonçalo. Ele estava ligado às máquinas e não havia meio de acordar. José Afonso, desesperado com a situação, e abatido pelo cansaço, decidiu ir caminhar um pouco para apanhar ar. A noite estava particularmente fria, mas isso não o importava. Foi andando sem pensar em nada, mas com um turbilhão de sentimentos no coração. Uma rua atrás de outra, virando aqui e ali, e indo sem destino… De repente ouviu, de uma forma quase silenciosa, uma voz que lhe pareceu familiar. Olhou um pouco mais em frente e viu a D. Esmeralda a sair de sua casa. Ia precipitar-se para ela, quando algo o fez parar, e ficou apenas a observá-la.
A D. Esmeralda transportava consigo algo enrolado que parecia um cobertor. Atravessou a rua, seguiu uns 100 metros mais a frente e foi entregar aquela manta a um homem, que se encontrava por ali deitado, meio enrolado no meio do frio. Naquele momento, ao observar aquele momento e no meio de tantos sentimentos que trazia, José Afonso começou a chorar. No seu íntimo, tinha considerado inicialmente aquela senhora como apenas mais uma profissional, que apenas estava a ser simpática porque o reconhecera, mas ali estava a prova da sua generosidade…
Quando D. Esmeralda regressava para casa, ele escondeu-se nas sombras da noite para não ser visto, não queria que de alguma forma ela fosse surpreendida depois daquele gesto tão pessoal e doloroso, por se confrontar com a realidade daquele homem ali deitado. Depois de ter entrado em casa, José Afonso voltou para o hospital, mas aquela imagem marcara-o.
Os dias foram passando, e felizmente o pequeno menino acordou e foi recuperando melhor que o esperado. Dois dias antes do Natal, estava recuperado o suficiente para ir para casa. Aquele Natal foi de comemoração intensa naquela luxuosa casa, presentes e mais presentes, comida, doces, e tudo o que tinham direito, naquele momento de felicidade.
Mas aqueles dias passados no hospital, aqueles gestos da D. Esmeralda não foram esquecidos. Assim que pararam as chuvas, começaram as obras de um empreendimento junto aquele bairro, que ninguém conseguia perceber a que se destinava. As dúvidas surgiam, muito se questionava, mas as respostas não chegavam.
Um dia, no inicio do tempo frio, tocaram a porta da D. Esmeralda. Como era hora de jantar, não era de estranhar que fosse algum “convidado” para uma sopa quente. Quando abriu a porta, viu do lado da porta, alguém que não esperava: José Afonso. A surpresa era grande, não poderia sequer imaginar a razão para tal visita. Depois de entrar, José Afonso informou que um ano antes tinha estado ali, naquela rua, e que ela tinha-lhe ensinado o que era a generosidade, o que era dar. E principalmente ensinou-lhe que se pode dar sempre, mesmo quando não se tem muito. Mas quando se tem, deve-se dar ainda mais, porque nunca se sabe quando se virá a precisar também. Durante aquele ano, ele tinha mandado construir um centro de acolhimento para sem abrigos, e vinha ali pessoalmente para lhe agradecer e para lhe pedir que ela fosse madrinha daquele centro.
Ela ouvia-o incrédula mas feliz e aceitou, quase sem palavras, apadrinhar aquela causa que lhe era tão querida. Minutos mais tarde, quando ele se dirigia para a porta, voltou-se para ela, aproximou-se e deu-lhe um abraço. Ela confortou-o nos seus braços, a experiência tinha-lhe ensinado a importância e o significado daquele gesto. Depois, ele disse-lhe: Sei porque todos lhe chamam Esmeralda, porque para além de ter esses olhos verdes que brilham no escuro, tem um coração precioso!
No bairro onde morava, a porta de sua casa sempre foi uma porta aberta para todos. Todos os dias, a D. Esmeralda colocava sete pratos na mesa, cinco para os filhos, um para si, e um ficava de sobra, porque haveria sempre alguém com fome para alimentar. A comida nem sempre era muita, mas com boa vontade, aquela que sempre teve, juntava um pouco mais de água, mais uma batata ou uma cebola, e lá havia um pouco mais de sopa.
Com algum esforço terminou o curso e tornou-se enfermeira no hospital da zona. O seu trabalho sempre foi conhecido e reconhecido por todos, mas o que lhe era mesmo reconhecida era a bondade com que encarava a vida. Muitas eram as vezes que entravam pessoas doentes no hospital, mas que ela reconhecia no olhar que apenas precisavam de um agasalho e de um prato de sopa quente, e meia hora depois, a maleita estava curada, pelo menos até à próxima noite fria.
Numa noite de frio intenso, a meados de Dezembro, entra José Afonso pela porta das urgências, com o seu pequeno filho Gonçalo nos braços, depois de ter sido atropelado por um carro que se pôs em fuga. José Afonso era um dos homens mais ricos da cidade, tinha várias empresas na região e era homem de muitos contactos internacionais. Era um homem respeitado, admirado, mas também temido, tal o seu poder. A sua entrada ali era de todo inesperada, mas não havia tempo para surpresas, o pequeno Gonçalo precisava de ajuda e atenção urgente.
Rapidamente uma equipa de médicos e enfermeiros correu em seu socorro, levando de imediato o pequeno rapaz para a sala de observações. Alguns exames, radiografias, TAC’s e foi levado para o bloco operatório. Gonçalo corria risco de vida e ia ser sujeito a uma longa operação que iria entrar pela noite fora, e que iria ser certamente a noite mais longa de José Afonso.
A D. Esmeralda, que estava de serviço nessa noite, e apesar dos muitos utentes que atendia, tinha sempre uma atenção para os que a rodeavam, e para os que mais precisavam. Naquela noite, tinha ali na sala de espera aquele homem imponente e rico, em sofrimento. Naquela noite, era ele que precisava de um pouco de ajuda. Apercebendo-se da sua aflição, foi informar-se sobre o estado do menino e foi até a sala. Sentou-se na cadeira ao lado de José Afonso, que anestesiado pela dor e preocupação, não se apercebeu da sua chegada. Ela colocou a sua mão sobre o sobre o ombro e sorrindo, tentando passar alguma serenidade, disse-lhe que a operação ainda iria demorar, mas que iria correr tudo bem. Ele olhou-a com surpresa, mas depois encontrou ali, naquele gesto, naquele, naqueles olhos verdes e tão verdadeiros, o carinho, a paz e a confiança que precisava. Ela ficou ali em silêncio mais 5 minutos junto dele, depois teve que voltar ao serviço. As visitas aquela sala foram frequentes durante aquelas horas.
As horas foram passando e no inicio do dia, houve noticias. A operação tinha corrido bem, mas as próximas 48 horas eram fundamentais para o desenvolvimento do estado de saúde da criança. D. Esmeralda ouvia atenta estas palavras que o Senhor Doutor transmitia, do outro lado da sala a José Afonso. Depois do médico ter voltado para dentro, José Afonso virou-se e encontrou, lá ao fundo, aqueles olhos que o observavam como a mesma serenidade e verdade do início da noite. Ela sorriu-lhe e desejou-lhe um bom dia, estava de saída para casa. Ele ainda tentou dizer-lhe alguma coisa, mas antes que o conseguisse, já a senhora tinha saído pela porta.
O dia foi passando e não havia novidades do Gonçalo. Ele estava ligado às máquinas e não havia meio de acordar. José Afonso, desesperado com a situação, e abatido pelo cansaço, decidiu ir caminhar um pouco para apanhar ar. A noite estava particularmente fria, mas isso não o importava. Foi andando sem pensar em nada, mas com um turbilhão de sentimentos no coração. Uma rua atrás de outra, virando aqui e ali, e indo sem destino… De repente ouviu, de uma forma quase silenciosa, uma voz que lhe pareceu familiar. Olhou um pouco mais em frente e viu a D. Esmeralda a sair de sua casa. Ia precipitar-se para ela, quando algo o fez parar, e ficou apenas a observá-la.
A D. Esmeralda transportava consigo algo enrolado que parecia um cobertor. Atravessou a rua, seguiu uns 100 metros mais a frente e foi entregar aquela manta a um homem, que se encontrava por ali deitado, meio enrolado no meio do frio. Naquele momento, ao observar aquele momento e no meio de tantos sentimentos que trazia, José Afonso começou a chorar. No seu íntimo, tinha considerado inicialmente aquela senhora como apenas mais uma profissional, que apenas estava a ser simpática porque o reconhecera, mas ali estava a prova da sua generosidade…
Quando D. Esmeralda regressava para casa, ele escondeu-se nas sombras da noite para não ser visto, não queria que de alguma forma ela fosse surpreendida depois daquele gesto tão pessoal e doloroso, por se confrontar com a realidade daquele homem ali deitado. Depois de ter entrado em casa, José Afonso voltou para o hospital, mas aquela imagem marcara-o.
Os dias foram passando, e felizmente o pequeno menino acordou e foi recuperando melhor que o esperado. Dois dias antes do Natal, estava recuperado o suficiente para ir para casa. Aquele Natal foi de comemoração intensa naquela luxuosa casa, presentes e mais presentes, comida, doces, e tudo o que tinham direito, naquele momento de felicidade.
Mas aqueles dias passados no hospital, aqueles gestos da D. Esmeralda não foram esquecidos. Assim que pararam as chuvas, começaram as obras de um empreendimento junto aquele bairro, que ninguém conseguia perceber a que se destinava. As dúvidas surgiam, muito se questionava, mas as respostas não chegavam.
Um dia, no inicio do tempo frio, tocaram a porta da D. Esmeralda. Como era hora de jantar, não era de estranhar que fosse algum “convidado” para uma sopa quente. Quando abriu a porta, viu do lado da porta, alguém que não esperava: José Afonso. A surpresa era grande, não poderia sequer imaginar a razão para tal visita. Depois de entrar, José Afonso informou que um ano antes tinha estado ali, naquela rua, e que ela tinha-lhe ensinado o que era a generosidade, o que era dar. E principalmente ensinou-lhe que se pode dar sempre, mesmo quando não se tem muito. Mas quando se tem, deve-se dar ainda mais, porque nunca se sabe quando se virá a precisar também. Durante aquele ano, ele tinha mandado construir um centro de acolhimento para sem abrigos, e vinha ali pessoalmente para lhe agradecer e para lhe pedir que ela fosse madrinha daquele centro.
Ela ouvia-o incrédula mas feliz e aceitou, quase sem palavras, apadrinhar aquela causa que lhe era tão querida. Minutos mais tarde, quando ele se dirigia para a porta, voltou-se para ela, aproximou-se e deu-lhe um abraço. Ela confortou-o nos seus braços, a experiência tinha-lhe ensinado a importância e o significado daquele gesto. Depois, ele disse-lhe: Sei porque todos lhe chamam Esmeralda, porque para além de ter esses olhos verdes que brilham no escuro, tem um coração precioso!
CA.
Este foi o meu conto enviado para a Crioestaminal na sequência do projecto CrioNatal 2008, com contributo para a Casa do Gil. Outros cinco contos foram enviados por amigos do Ticho. Um deles encontra-se aqui.
Quem pouco tem e ainda assim dá é sem dúvida o melhor exemplo de generosidade.
ResponderEliminarGostei deste texto... ainda por cima estando-se a aproximar o Natal, não devemos apenas olhar para o nosso umbigo e devemos ajudar quem mais precisa. Nem que seja apenas com uma palavra, um sorriso ou um gesto de conforto. Para tanta gente que vive só, acho que isso é até mais importante do que qualquer bem material.
Relativamente às obras... pois... era para ter escrito um post ontem e assim inaugurar o meu canto remodelado. Mas não houve tempo... E depois esqueci-me de o bloquear até que o escrevesse.
E gostaste do novo look?
:D
Beijocas e bom fim-de-semana!
Como já te tinha dito, o conto está um doce. Foi escrito sob pressão, mas o importante é que o escreveste e que a sua entrada contou para ajudar. Ainda bem que ao que parece as minhas duvidas eram infundadas! :)
ResponderEliminarParabéns pela D. Esmeralda, uma verdadeira jóia!
Beijinhos!
Sempre linda... com um coração do tamanho do mundo que nem todos conhecem.
ResponderEliminarBjinhos grandes... com saudades por não esquecer...
É muito bonito este conto de Natal.
ResponderEliminarBonito como o sentimento interior de quem o escreveu.
Beijito
Tu sabes que eu adorei este texto. Está muito doce e sempre muito bem escrito. Parabéns pela escrita e, acima de tudo, pela iniciativa.
ResponderEliminarTens um coração precioso, assim como o da D. Esmeralda.
Beijinho muito grande
Hoje estou preenchida...
ResponderEliminarJá tinha acabado de ler o conto da Cristina e eis senão quando, deparo-me com o teu lindo conto de Natal.
Era como se tivesse regressado à minha infância e estivesse a ouvir a minha avó a contar-me histórias lindas.
Foi bom, muito bom!
Já agradeci à Cris e agora aqui ficam
os meus beijos imeeeeennnnsos à pedra preciosa que tu tb és
Recebi um presente de Natal em consequencia deste post... São estes mimos, inesperados, que nos tocam bem cá dentro...
ResponderEliminarhttp://taobomseravo.blogspot.com/2008/11/presentes-natalcios.html
Obrigada querida Avo Tite... Obrigada pelo carinho, pela presença, pela sensiblidade...
Emocionei-me ao ler.
ResponderEliminarÉ realmente belo o conto e o momento que proporcionaste ao lê-lo.
Para quem não estava com inspiração... :)
Transpiraste bem o que a alma te ditou, querida.
Que se faça Natal nos corações.
(Em Dezembro publico o meu nos Rabiscos... e um outro no Ecos)
Um xi apertadinho
Lindo o teu conto de Natal, Cátia :) e foi bom "percorreler" (inventei agora :P ) até ao fim.
ResponderEliminarSabe a Natal, sim senhora, a ternura e amor que nem senti o cheiro característico de hospital. Só azevinho, pinhas, doce e a tal sopa da D. Esmeralda :)
Beijinho grande!
Amiga,
ResponderEliminarComo sabes, para mim, o importante foi conseguirmos contribuir com uma pequena ajuda para a Casa do Gil.
Gostei muito do teu conto, e tenho que fazer-te uma pergunta: foi escrito sob pressão e está com esta qualidade; e se não tivesse sido?, como seria?????
Tonta!!! Está óptimo!!!!
Beijinho
CA